
Fabiana Stefanoni,
da redação do jornal Progetto Comunista. Tradução Roberto Barros
Passaram-se já cerca de oito meses desde aquele dia em que, depois da vitória eleitoral de Unione (1), algumas centenas de militantes e dirigentes romperam com a Rifondazione Comunista (2) – em vias de entrar no Governo Prodi – e deram início ao processo constituinte de um novo partido comunista. Não se pode dizer que foram meses de repouso: se desde então muitos ativistas provenientes de Rifondazione – mas também do sindicalismo de base e de experiências de luta e movimento – abraçaram o nosso projeto, somente o passar do tempo e um generoso dispêndio de energia da parte de nossos militantes possibilitaram tais frutos tão significativos.
Desde então, em quase todas as
cidades da Itália, buscamos dar voz - apesar do absoluto silêncio da imprensa
nacional - a uma exigência para nós irrenunciável: a necessidade de construir
um sujeito político à altura de representar, depois da passagem da Rifondazione
Comunista para o outro lado da trincheira, o interesse dos trabalhadores,
desempregados, jovens precarizados e imigrantes na Itália; a construção de uma oposição
de classe a um governo preparado a representar os interesses da Cofindústria e
a infligir um duro golpe às camadas populares.
Prevíamos que o governo Prodi(3)
seria, para os trabalhadores, ainda mais nefasto que a administração anterior:
o "Finanziero" - com os cortes em investimentos sociais e o início dos fundos
de pensão - confirmou drasticamente nossas previsões. Dizíamos que, com o apoio
de Rifondazione e da CGIL (Confederação Geral Italiana do Trabalho),
estaria [o governo] impelido a colocar um pelego às lutas e mobilizações. Em
ambos os casos não nos enganamos, assim como não estávamos enganados - no
desenrolar deste verdadeiro drama da classe operária italiana - em relação à
liberação contemporânea de um espaço político para construir um partido
comunista digno deste nome, à altura de fazer da oposição a todos os governos
da patronal um traço distintivo de seu modo de agir. Como demonstramos na manifestação
de 4 de novembro contra a precariedade, na paralisação de 17 de novembro, no
protesto dos operários de Mirafiori, na mobilização dos professores, dos
imigrantes, dos estudantes,... as lutas não se deixam parar: o Partido da
Alternativa Comunista (Pd'AC) se propõe o objetivo, ambicioso, de dar voz a
estas reivindicações para construir, como diz o próprio nome, uma alternativa
de verdade.
Depois de tanto trabalho...
Depois
da ruptura com a Rifondazione Comunista, o grupo Progetto Comunista
soube conciliar duas exigências: de um lado, a realização da propaganda pública
de nosso apelo à construção de um novo partido (apresentações públicas em todas
as cidades, assembléias, conferências, edição de materiais...) e, por outro
lado e paralelamente, a construção imediata da oposição de classe ao Governo
Prodi com a participação ativa em todas mobilizações e lutas que, caída a
ilusão das maiorias em um governo supostamente melhor que o antecessor, se
desenvolveram durante estes meses.
Por isso, as adesões mais significativas ao nosso
projeto vêm da parte dos trabalhadores empenhados na batalha contra a patronal
e a burocracia sindical, dos ativistas sindicais, dos representantes dos
movimentos de luta dos setores mais explorados da classe operária, com os
imigrantes em primeiro lugar. Os organismos dirigentes provisórios que
constituímos em abril [de 2006], através de muito trabalho coletivo e ampla
discussão, produziram um manifesto - organizado em teses - e um estatuto que
foram debatidos, a partir do início de outubro, em quase todas as cidades
italianas, com o aporte de importantes contribuições. É isso o que permitiu aproximar
tantos novos companheiros ao nosso projeto, com novos filiados - militantes e
simpatizantes - ao processo constituinte do partido.
O esforço generoso de nossos quadros - demonstrando na
prática que não é com a participação em salões televisivos ou com o blefe da
mídia que se constrói um partido mas, sobretudo, com militantes de carne e osso
- foi o que permitiu convocar congressos locais em tantas cidades italianas. Os
resultados foram, para todos nós, animadores: apesar das muitas dificuldades que
encontramos, nos dias 5, 6 e 7 de janeiro, na cidade de Rimini (Itália), nasceu
o Partido da Alternativa Comunista (Pd'AC). Em uma sala impregnada de
participação, tanto de delegados como de convidados, a discussão -
"verdadeira", como a definiu de maneira eficaz o companheiro Bachu, porta-voz
do Comitê Imigrante da Itália presente ao congresso - não houve trégua: quase
todos delegados (muitos deles juveníssimos) intervieram nas três sessões do
congresso (política, internacional, estatuto), trazendo significativas
contribuições à discussão dos documentos e à elaboração da intervenção do
partido no próximo período. Diferentemente de tantos congressos ou
pseudo-congressos, este de fato não foi nem um pouco artificial, e disso se
surpreenderam mais os convidados: não houve um líder ditando a linha, mas a
elaboração coletiva de um percurso político.
...se colhem os frutos
Os trabalhos tiveram início com o informe político de
Antonino Marceca, que analisou a presente conjuntura, detendo-se
particularmente sobre a ofensiva sobre os trabalhadores perpretada pelo Governo
Prodi, com o lançamento do "Finanziero". O informe estabeleceu os eixos
fundamentais da nossa intervenção política, fincando firmemente o objetivo de
construir a oposição de classe ao governo: intervenção sindical e nas
mobilizações, à base de uma plataforma transitória; a realização de momentos de
luta paralelamente à construção do partido; a luta contra a reforma
previdenciária, contra o "assalto" do TRF (4),
contra a precariedade - com a construção de comitês nos lugares de trabalho e
nos bairros - e a batalha em defesa dos direitos dos imigrantes.
O debate,
além das intervenções de companheiros do PC-Rol, contou com a participação -
com saudações das respectivas organizações - do mesmo companheiro Bachu (do
Comitê Imigrante da Itália) e do companheiro Rizzo, do SLAI-COBAS, além de
tantos outros convidados internacionais. Intervieram ainda Bernard Filippi,
dirigente da fração pública da Lutte Ouvrière francesa e, pela LIT-QI,
organização internacional à qual o congresso resolveu aderir: o companheiro Zé
Maria, presidente do PSTU brasileiro e dirigente da Conlutas, o companheiro
Ángel Luis "Caps" (em nome do Comitê Executivo Internacional da LIT-QI) e o
companheiro José Moreno Pau, membros da direção do PRT espanhol, o companheiro
Gil Garcia, dirigente português de Ruptura-FER e os companheiros Jan Talpe e
Gary Rubin, ambos da LCT belga.
Paralelamente à discussão política, desenvolveu-se o
debate sobre o estatuto, cujo informe coube ao companheiro Francesco Ricci,
estabelecendo os princípios que o inspiraram: a necessidade da construção de um
partido de militantes; a definição dos critérios para a adesão ao partido
(acordo com o programa, militância ativa, apoio financeiro ao partido); recusa
a um partido "Leggero" (5)
que favorecesse o "peso" de poucos líderes. Durante o transcurso da discussão
dos estatutos, votou-se a proposta do nome do partido, que obteve maioria sobre
as outras propostas lançadas.
A sessão seguinte foi dedicada à análise da situação
política internacional e a definição de nosso posicionamento a respeito das
principais tendências internacionais que se reivindicam do trotskismo. O informe detalhado de Valerio Torre foi da análise da
contingência histórica - com particular atenção ao cenário de guerra no Oriente
Médio e a situação explosiva da América Latina - à definição de nosso horizonte
estratégico, a partir da necessidade da construção do partido internacional da
revolução, a Quarta Internacional.
Através
de um balanço da experiência e dos erros do passado, o informe do companheiro
Torre se traduziu numa proposta concreta, já apoiada pela unanimidade do grupo
dirigente anterior: o pedido de adesão à LIT-QI. Graças ao material difundido
pelo grupo de trabalho internacional do nascente partido e de vários encontros
com dirigentes e militantes da LIT na Itália, na Espanha e na Bélgica, a
discussão internacional foi rica e se traduziu em uma aprovação entusiasmada,
por parte do congresso, desta mesma proposta. O momento seguinte foi, se
podemos usar a expressão, emocionante: o companheiro "Caps" - em nome do Comitê
Executivo da LIT-QI - definiu este como um momento histórico, sublinhando a
extraordinária sintonia, apesar dos caminhos diversos até aqui percorridos,
entre a impostação político-programática do nosso partido e aquela da LIT-QI e
suas seções. Hoje, a LIT-QI tem uma nova seção na Itália: um pequeno passo à
frente para a refundação da Internacional trotskista.
E ainda mais trabalho pela frente!
O nascimento do Partido da Alternativa Comunista é
somente o início de um percurso político: agora se trata de reforçar o partido
para torná-lo um pólo de referência acreditável para os movimentos de luta que
irão nascer nos próximos meses. As intenções do Governo Prodi no enfrentamento
com os trabalhadores são até agora claríssimas: quanto mais ataques pesarem nos
confrontos com os trabalhadores, tanto mais necessário será construir a
oposição de classe a este governo, que goza do fiel apoio de Rifundazione
e pode lançar mão da carta da conciliação. Não estaremos só esperando:
construiremos o partido na luta, para construir - com o partido - a luta mesma.
A tarefa que nos cabe é árdua e ambiciosa, mas temos a força de uma convicção
para sustentá-la: somente a revolução socialista mundial poderá libertar a
humanidade da exploração do trabalho e de todas as outras opressões, da guerra
e da catástrofe ambiental.
NOTAS DE TRADUÇÃO
(1) Unione - coalizão eleitoral de partidos da
centro-esquerda italiana de matiz social-liberal.
(2) ``Rifundazione`` - o Partido da Refundação
Comunista Italiana foi criado nos primeiros dias de fevereiro de 1991, na
cidade de Rimini (Itália), logo após a reunião que definiu a mudança de sigla
do antigo Partido Comunista Italiano para PDS (``Partido Democrático de
Esquerda``). Ao novo partido comunista filiaram-se os grupos minoritários
historicamente situados à esquerda no ex-PCI, críticos em relação aos
resultados da política de ``compromisso histórico`` (com a Democracia Cristã) e
aos rumos do próprio ``eurocomunismo``. Seu caráter centrista levou-o, com o
passar do tempo, a atuar enquanto - nas palavras de Lenin - ``agente da
burguesia no interior do movimento operário``.
(3) Governo Prodi - o dirigente liberal Romano Prodi
encabeça o governo dos representantes de todos os partidos que conformam a
coalizão eleitoral ``Unione``, sustentados por associações empresariais e
sindicatos oficiais, com o apoio de organizações como ``Rifundazione`` e CGIL.
(4) TRF - O TFR ("Trattamento di Fine Rapporto") nasceu
em 1924 com o nome de "Indenização por Demissão" (e, depois, Indenização por
Tempo de Trabalho), com um claro propósito de seguridade social. Depois de
diferentes reformas assumiu, em 1982, o nome de TFR e se tornou a forma
contratual mais difundida, na vida laboral italiana, de previdência social e
aposentadoria. Atualmente, ao invés disso, o TFR assumiu um papel de
amortizador social do desemprego estrutural. Isto se tornou cada vez mais
verdadeiro nos últimos anos, com o aumento da precariedade e da flexibilidade
no mundo do trabalho.
Há todo um movimento de trabalhadores italianos,
organizado em comitês por lugar de trabalho - e também de todos os precarizados
que foram privados do já frágil TFR, condenados a uma pensão de fome com o novo
sistema de cálculo contributivo -, que não querem jogar, com sua própria
pensão, na bolsa de valores. Lutam, portanto, por um sistema público de
previdência social e contra o ``roubo`` do TRF.
(5) partido LEGGERO - Algo como ``partido leve``.
Expressão utilizada pela ``moderna`` centro-esquerda italiana para combater a
noção leninista da estrutura partidária. No texto há uma interessante figura de
linguagem que opõe a ``leveza`` (aparente) do partido não-centralizado
democraticamente ao ``peso`` (real) que nele adquirem as direções burocráticas.